Água gelada e azul, mas salgada, em volta das pedras que fazem barreiras
Vidas por todos os lados, e fundo de mares, acordam e dormem pra lados e ares
Homens por todos os lados se vendem se compram, não vivem, mas vivem a vida dos outros
Cansados da vida que outrora não vivem, cansados do sol, que castiga seus ombros
Ando de um lado pro outro, ao lado de outro que anda para um lado e pro outro, sem rumo algum
Rimos, cantamos, tostamos, tomamos um banho, nadamos, passamos a hora jogando conversa fora
Nada demais para ver, para acontecer, vemos o tempo passar, a noite chegar, o sol desaparecer
Entramos num carro qualquer, pode ser nosso carro, é nosso, sobra de outra vida, que me castiga
É carro é caro, e anda para um lado e pro outro levando e trazendo onde eu quero, e quando espero
Passo na rua e vejo alguém na calçada, jogado, sentado, fedendo a merda, fedendo a miséria
Fecho os vidros me calo, ou fecho os olhos e falo alguma coisa, falo qualquer coisa
Olho pra trás e vejo me distanciando das margens que vivem aquelas pessoas, jogadas ao tempo
Às margens da vida normal, que julgamos igual, a todo mundo que pensa num mundo, que pensa em rumo
Vejo o pobre coitado calado e mudo, contatando da vida cada segundo, a eternidade
Julgo ser um ladrão, um maldito bandido safado que vive de corrupção, maldito ladrão
Fecho o vidro do carro e continuo andando nas ruas da minha cidade, da sua cidade
Muitas pessoas iguais e diferentes caminham, dirigem, procuram uma vida, uma melhor saída
Um trânsito do inferno me pára, me faz esperar pela boa vontade que é má do começo até o final
À simetria de passos eu ando com carro quase parado, sem nenhum espaço
Lembro-me do cara que tava jogada na rua, calado parado, fingindo de morto, vivendo no esgoto
Lembro do luxo que tenho que vivo que finjo viver, que procuro em toda minha vida, que procuro ter
Coço a cabeça e fico decepcionado comigo, com mundo, com Deus, com tudo, que pode ser mudado
Calo-me de novo, e presto atenção no meu carro, meu carro, de herança, deixado largado, muito mal cuidado
Esqueço depois para sempre de tantos coitados que sujam as ruas com sua miséria, vivendo sem vida
Esqueço de ajudar, de falar, de lembrar, me esqueço de amar, me esqueço de tudo, me finjo de mudo.