Esperar pela morte
Posted by Ramon S Rosa | Posted in | Posted on 18:05
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Eu fui criado de forma ímpar. Aliás, todos nós fomos. Não há criação que se compare, não há construção de caráter que seja igual a outra. E sendo o filho único do casal, cresci assombrado com a possibilidade de alguma mudança. Qualquer uma. Um filho a mais, ou alguém a menos.
Cresci torturado com a idéia de que, superar o medo não era o suficiente. Conceitos que construía diante do espelho, eu comigo mesmo. Minha família, porém, já sabia o que eram mudanças.
As filhas casaram, mudaram, criaram. As coisas cresciam de tal forma! Daí mudou de novo. Um se foi, para sempre, logo após outra. A família resistia. Marcada pela mudança forçada do destino, da dor inesperada, da separação. A família resistia. Eu, porém, ainda não havia passado, não conscientemente, por nenhuma de tais mudanças. Meu mundo, o qual nunca ilusoriamente foi perfeito, não cogitava sequer a hipótese de uma grande catástrofe.
Mas eu cresci. E não me sinto totalmente equivocado em dizer que essa foi a maior de todas as catástrofes que já me ocorreram. Ser adolescente foi ímpar, como disse anteriormente sobre a criação. Era A IGREJA o lugar que me fazia feliz. Me encontrei nos barulhos e sons que viam lá de dentro, desde muito cedo, mas logo na adolescência o interesse tornou-se maior que a vontade de ver TV. E por lá eram horas passadas, horas ganhadas e outras que posso dizer , perdidas. E nesse mútuo interesse meu em mim mesmo, a música me descobriu. Não que eu seja algum músico renomado, ou algum conhecedor dessa arte. Mas o meu relacionamento com ela se tornou íntimo, mais do que pude controlar. As minhas invencionices não pararam na apreciação. Cantar, tocar, e até dançar. Sempre música. Sempre sons. Sempre. E foi na música que me escorei quando as mudanças vieram.
Ser adolescente é padecer sim, e não é no paraíso. Longe disso. Ser adolescente é não ser alguém definido, é ter todos os pensamentos do mundo unidos contra você, em você mesmo. Comigo, claro que não foi diferente. Posso deduzir que tenha sido mais intenso que isso. Minha adolescência foi divida em dois períodos. No primeiro deles, eu era o que não sabia ser por simplesmente ser. No segundo período, as obrigações de alguém que desconheço ( mas que tenho certeza que se chama senso comum) transbordaram minha capacidade de raciocínio pré concebida pra minha faixa etária: era hora de crescer. A adolescência terminou no inverno de 2007, com o fim de uma vida e o fim de outras duas. Foi nessa mesma época que descobri o que era uma mudança radical, daquelas que te colhem do campo, e te lançam na fornalha.
Daí por diante, aparentava força, mas a fraqueza de não ter me consumia. Mudou de novo. O outono seguinte não levou apenas a beleza das árvores consigo.
A responsabilidade de crescer pesava emocionalmente a ponto do insuportável. Foi a época da escolha, a época da troca, a época da falta. Foi quando o mundo que já era imperfeito, tornou-se cruel demais. Quando o ponto de apoio que já não existia, fez falta.
Mudou de novo. Agora, novos ares, nova família, novos sons. Os mesmos sons que outrora me apaixonaram, agora me assediavam a mudar. E muitas escolhas foram feitas, muitos comentários construídos, muitas imagens quebradas. Era a chance de mergulhar na música, mas ela silenciou ao estopim de um tiro. O outono de 2009 me fez tremer diante do que pensei estar distante. Fraco ou forte, não fazia mais importância. A mudança não anunciada acontecia, a saudade se eternizava.
Decidir por algo que não se quer, é difícil. E no inverno de 2010 o barulhento grito de socorro me chamou de volta. Ou eu pensei que o fosse. Voltei para o campo de batalha infindável, para o lugar de canseira e enfado.
Esperar pela morte nunca foi tão real para mim. Quando criança, com uma esperança cega de uma felicidade eterna, não tinha menção da dor que essa espera me causaria. Melhor, não digo dor, mas angustia. Ver alguém fazendo o mesmo, então, é ....
A velhice não me parece uma má ideia. Vendo daqui, de fora. Mas estou fazendo uma análise muito particular dessa fase da vida. Depois dessas tantas mudanças, enxergo a velhice como opcional. Ou talvez, como consequência do que antes foi opcional. E, agora, cuidar de alguém que vive esta fase é impactante. Conflitante o suficiente pra distorcer tantos conceitos que o espelho me ajudou a construir. Conflitante o suficiente para fazer uso de emoções como ódio e compaixão em segundos que se seguem. E a tal velhice que persegue traz a empatia como nova sensação. A saudade estampada ao olhar um retrato. A voz embargada, ora pela idade, ora pelo sentimento. A voz embargada, cheia de egoísmo e pudor, mostra para mim a realidade do que é esperar a morte: é a vida desesperançada.
O amadurecimento e envelhecimento de uma forte personalidade que, diante da solidão forçada, espera pela lentidão da morte, levanta diante de mim o peso de uma responsabilidade enorme. Os laços irrompíveis da família. O perdão, o amar incondicionalmente. Diante da espera pela morte, o que resta a minha futura mudança é arrumar o terreno. Preparar para um possível outono ou inverno, ou seja lá qual for a estação.
De uma criança crescida, a um jovem irreconhecível, não faço diferente disso. Espero.
bravo!
Primeiramente, aos questionamentos, tão 'desaparecidos' ultimamente,(levando em consideração que eles fazem o mundo SER)'quer no inverno, quer no verão' dessa juventude atual...posso afirmar, sem hesitar, que és uma exceção.
E Segundo, pelo texto em si...muito bem redigido (melhor que muitos 'profissionais' da área) e cativante, digo, o uso explícito e correto da língua prende o leitor ao ponto que queres chegar.
E por último, a espera, que acredito não ser nada mais nada menos que um tempo de argumentação, busca pelo intangível e descobertas....Grandes Pensadores e Feitores começaram assim...Deus, Prazer, Sucesso e Mudança não são engolidos, são experimentados. O caminho revela quedas, tropeços e sim, questionamentos...A fase é normal e a resposta talvez nunca saiba, mas a experiência que conquista nesta caminhada será um diferencial quando chegar na mais tenra idade.
Sem querer te afrontar, mas agregaria ao término do seu EXCELENTE texto, diga-se, 2 verbos: Tente ou Faça!
Esse texto é um quadro abstrato da sua alma. Tenho muito a compartilhar com você sobre várias das suas a firmações ou questionamentos, mas não aqui, num simples comentários de blog. Talvez qualquer hora dessas, olhando no olho.
Um abraço!